Nota
de repúdio à repressão e à violência do Estado
contra as manifestações em Belo Horizonte
contra as manifestações em Belo Horizonte
A Frente Independente pela Memória, Verdade e Justiça –
em conjunto com o Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, que
também compõe esta frente - vem a público repudiar a repressão que se abate
sobre as manifestações massivas realizadas a partir do mês de junho/2013. Reiteramos
o nosso apoio total e participação incondicional nestas manifestações e a
legitimidade das exigências colocadas: passe livre/tarifa zero; ampliação do
metrô; transporte, saúde e educação públicos, gratuitos e de qualidade para
todos; melhores salários e melhores condições de trabalho para os professores; fim
do projeto de cura gay; fim do
racismo, fim do machismo e fim da homofobia; combate à direção dos chamados
megaeventos.
A
questão que unificou e potencializou as manifestações foi, no entanto, a luta
contra a repressão. As cidades brasileiras estão sob o domínio de verdadeiro Estado
de exceção imposto pela FIFA em acordo com os governos estaduais e o governo de
Dilma Rousseff. A política de segregação
e higienização em vigor tem sido levada às máximas consequências a partir do
início da Copa das Confederações. Tal
política inclui a remoção forçada da população em situação de rua e de
comunidades inteiras. Estão previstos monitoramento, prisão sumária e contenção
de todas e todos considerados suspeitos segundo a ditadura da FIFA. É este o tão propalado padrão FIFA de qualidade. O espaço público se tornou território
particular da FIFA cujo objetivo exclusivo é garantir a lucratividade das
empresas patrocinadoras. O esporte,
afinal, é um grande negócio e só pode ser usufruído pelos ricos e privilegiados
– minoria ínfima da população brasileira.
Para garantir o mencionado padrão FIFA de qualidade, a cidade de Belo Horizonte – assim como outras capitais – foi transformada
pela repressão em verdadeira praça de guerra.
Nem mesmo durante a ditadura militar (1964–1985) houve tamanha violência
e montagem de tão descomunal aparato repressivo: Polícia Militar com toda a sua
estrutura (tropas regulares, GATE – Grupamento de Ações Táticas Especiais,
Tropa de Choque, P2 - seção secreta da PM); Polícia Civil; Guarda Municipal, Força
Nacional de Segurança e Exército brasileiro. Um enorme arsenal foi mobilizado: balas
de borracha, gás lacrimogêneo, gás de pimenta, armas de choque, bombas de
pólvora, blindados, caveirões, cavalaria, cães, helicópteros que também
lançavam bombas – tudo isto foi utilizado para atacar indiscriminadamente os
manifestantes. Houve também ataques das
mal chamadas bombas de efeito moral – eufemismo
da ditadura - já que elas são de efeito real: seus fragmentos podem ferir
muito, até matar. O governo estadual de Antônio Anastasia (PSDB), o governo
municipal de Márcio Lacerda (PSB) e o governo federal de Dilma Rousseff (PT) se
engajaram em uma aliança militar para reprimir a sociedade. As forças de repressão – com a anuência da
burocracia universitária - invadiram e ocuparam o campus da UFMG para caçar manifestantes.
Eis o terrível saldo de tamanha violência
policial e militar: dezenas de manifestantes feridos, mais de uma centena de
manifestantes presos - muitos deles foram feridos e torturados, inclusive
crianças. Não se sabe ao certo o paradeiro de todos. Pelo menos cinco são
menores de 18 anos. Houve repressão feroz
contra aqueles que portavam máscaras contra gás, vinagre e leite de magnésio
para aliviar os efeitos das bombas. Manifestantes caíram do Elevado José de
Alencar por estarem acuados pela violência policial: houve uma morte e vários
ficaram gravemente feridos. A
companheira Júlia Paulinelli foi atingida na cabeça por uma bomba atirada
aleatoriamente pela polícia. Teve os
tímpanos estourados e traumatismo craniano com pequeno coágulo. A companheira Alícia Mourão, estudante de
Geografia da UFMG, também foi atingida por uma bomba jogada das viaturas da
PM. Ela voltava para casa com duas
colegas depois da manifestação do dia 26 de junho. Todas tiveram ferimentos graves provocados
pelos estilhaços quentes. Alícia perdeu
4 cm de massa na perna, levou pontos nos braços e nas costas e teve ferimentos
generalizados em todo o lado esquerdo do corpo.
O
que é mais lamentável porque irreversível são as duas mortes em Minas Gerais: Douglas Henrique de Oliveira Souza, de
21 anos e Lucas Daniel Alcântara Lima, de 12 anos. O estudante e metalúrgico
Douglas Henrique, natural de
Curvelo-MG, foi morto na manifestação do dia 26 de junho de 2013, em BH. Havia
cerca de cem mil pessoas nesta manifestação. Douglas caiu do Elevado José de
Alencar, próximo à UFMG, quando tentava escapar dos ataques violentos da
polícia. Aí está uma coincidência
histórica significativa: este é o dia do aniversário de 45 anos da Passeata dos
Cem Mil em plena ditadura militar, no Rio de Janeiro, dia 26 de junho de 1968.
Esta passeata foi um protesto contra a morte de Edson Luís Lima Souto, também estudante,
assassinado pela Polícia Militar durante um ato contra o aumento do bandejão,
no dia 28 de março de 1968. Lucas Daniel foi baleado pelo sargento
da PMMG reformado Vanderlei Gomes da Fonseca, no dia 27 de junho de 2013. Havia
um protesto contra a falta de coleta de lixo no Conjunto Cristina, Santa Luzia,
região metropolitana de BH. Ao atirar no
menino, o militar afirmou que queria acabar com aquela baderna – demonstração exemplar da truculência estrutural da PMMG. Lucas Daniel tinha ido à padaria
comprar pão. Ele veio a falecer em 4 de julho.
Houve
outras mortes e ferimentos graves no Brasil, todos eles de responsabilidade da
Polícia Militar. No Rio de Janeiro, a Polícia Militar usou armas letais contra
manifestantes. Treze pessoas foram
executadas por policiais do BOPE na Favela Nova Holanda, no complexo da Maré -
é esta a política de “pacificação” adotada.
Uma manifestante foi morta em Belém do Pará devido aos efeitos do gás
lacrimogêneo. Esta polícia que reprime manifestantes
é a mesma que mata pobres todo dia,
como diz uma das principais palavras de ordem cantadas nos protestos de todo o Brasil.
É também a mesma polícia que massacra os trabalhadores do campo mobilizando
todos os instrumentos de violência que tem à sua disposição para defender o latifúndio e o agronegócio. Foi o que aconteceu no dia 3 de julho no
Acampamento Paulo Freire III, em Rondônia, onde 100 famílias foram
violentamente reprimidas por lutarem pela terra para quem nela trabalha.
A repressão segue seu curso. O superintendente geral de
investigação da Polícia Civil de Minas Gerais, Jeferson Botelho, tem uma lista
de 80 pessoas procuradas (O Tempo, 3 de
julho de 2013 , p.25) – não se sabe quantas delas estão presas, nem o local
para onde teriam sido levadas. Trata-se,
portanto, de sequestro, bem no estilo da ditadura militar. Até os jargões criados se equiparam ao vocabulário
da ditadura: passam a ser chamados de vândalos
aqueles manifestantes que se defendem contra a violência policial. Fica clara a tentativa da repressão e da
mídia de desqualificar e/ou domesticar o movimento. Durante a ditadura, todos aqueles que faziam
oposição ao sistema eram tachados de terroristas e considerados inimigos
internos a serem destruídos. Os
manifestantes, tanto ontem como hoje, são considerados as minorias trêfegas, irredutíveis, não dialogáveis a serem combatidas – no discurso canhestro do general
ditador Geisel (1974-1979). Não é possível confundir a resistência do oprimido
com a violência do Estado opressor.
Todas estas ações da repressão policial e militar mostram
claramente as semelhanças com a ditadura
militar (1964-1985): Polícia Civil, Polícia Militar, Guarda Municipal, Força
Nacional de Segurança agem como um exército no campo de batalha cujo objetivo é
eliminar o inimigo. O verdadeiro nome
do chamado Estado Democrático de Direito é Estado Penal que tem como princípios
a tortura institucionalizada, a criminalização dos movimentos sociais e das lutas
dos trabalhadores da cidade e do campo, a guerra generalizada contra os pobres,
a política de encarceramento em massa, o genocídio rotineiro contra os jovens
pobres, negros e indígenas.
Não
podemos perder de vista que o Brasil é um dos campeões mundiais em violência
policial, torturas, chacinas periódicas, concentração de riqueza e desigualdade
social. Não esqueçamos que o Estado brasileiro é réu condenado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos por crimes contra a humanidade. Esta
determinou que fossem retirados todos os obstáculos para a resolução definitiva
da questão dos guerrilheiros desaparecidos no Araguaia (1972-1974) e de todos
os desaparecidos políticos do Brasil. Determinou ainda a punição para os
torturadores e assassinos de opositores durante a ditadura militar. Vê-se bem
que o Estado brasileiro tem sido reincidente em crimes contra a humanidade.
O Estado de exceção
adotado pela FIFA é matéria de longa duração neste país – os oprimidos sempre
foram submetidos a ele. O governo
federal propõe a adoção do Programa de Pacificação de Favelas representado
pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) como politica de Estado, o que
significa que a segregação, a repressão e a matança vão continuar. As UPPs constituem mecanismo de controle
social que instrumentaliza ainda mais o Estado para garantir o exercício mais
eficaz da exploração e opressão sobre os trabalhadores e o povo.
Não podemos definitivamente
naturalizar a repressão – não podemos tolerar o intolerável. Não podemos deixar para trás nossos mortos e
nossos presos. Consideramos que se trata de luta de classes, que só pode ser
travada nas ruas, no espaço instituinte.
O Estado brasileiro, seus governos e seu aparato repressivo são nossos
inimigos e não interlocutores depositários de reivindicações pontuais – não há
negociação com os inimigos da classe trabalhadora e do movimento popular. Exigimos a libertação imediata dos presos, a
anulação dos inquéritos, a punição dos responsáveis pela violência policial e pelas
mortes e torturas. Exigimos o fim do aparato repressivo e a erradicação das
torturas. Responsabilizamos diretamente
a Polícia Militar e os governos municipal, estadual e federal por esta situação
de barbárie.
Abaixo a repressão!
Pela liberdade de manifestação e expressão!
Pelo fim da
criminalização dos pobres! Pelo fim da criminalização da luta dos estudantes, da
luta dos trabalhadores da cidade, do campo e da luta do movimento popular!
Libertação imediata
dos presos políticos! Pela anulação dos inquéritos! Pela retirada dos mandados
de prisão!
Pelo fim das torturas
e das execuções! Pelo fim do genocídio dos jovens, negros, indígenas e pobres!
Abaixo as UPPs e
invasões policiais e militares dos morros, universidades, ocupações e favelas!
Pelo fim do aparato
repressivo! Pelo fim imediato da Guarda Municipal, da Polícia Militar e da
Força Nacional de Segurança! Fora o Exército e fora a FIFA!
Pelo direito à
Verdade, à Memória e à Justiça!
Punição para os
torturadores e assassinos de opositores durante a ditadura militar e para aqueles
que cometem estes mesmos crimes contra a humanidade nos dias de hoje!
Pela luta
independente, realizada pela classe trabalhadora e pelo movimento popular, em
relação aos governos e à institucionalidade!
Companheiros Douglas Henrique de Oliveira Souza e Lucas
Daniel Alcântara Lima: Presentes, hoje e sempre!!!
Belo Horizonte, julho
de 2013.
Frente Independente pela Memória, Verdade e Justiça – MG
e Instituto Helena Greco de Direitos Humanos
e Cidadania/IHG-BH
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