VERSUS
A
ANISTIA PARCIAL DA DITADURA MILITAR
Há 35 anos, no
dia 28 de agosto de 1979, foi promulgada a lei 6683 – a lei de anistia
parcial. O tema da anistia foi colocado
em pauta em plena ditadura militar (1964-1985) pela combatividade dos
movimentos de resistência articulados pelos Comitês Brasileiros de Anistia/CBAs
e pelo Movimento Feminino pela Anistia/MFPA.
Estes movimentos exigiam a Anistia
Ampla, Geral e Irrestrita a partir do combate aberto contra o terror de
Estado. Travavam luta direta contra a Doutrina de Segurança Nacional, a qual
determinava: a necessidade de eliminação dos inimigos internos – todos que
faziam oposição ao regime; a adoção da tortura como política de Estado; a
destruição continuada do espaço público; a fabricação do esquecimento; o
exercício da censura e da mentira organizada.
Para os CBAs e
o MFPA a Anistia só poderia ser Ampla, Geral e Irrestrita se fossem
efetivados seus princípios programáticos: erradicação da tortura e das leis de
exceção; esclarecimento das torturas, dos assassinatos e dos desaparecimentos políticos; localização
dos desaparecidos, devolução aos
familiares, informação à sociedade; responsabilização e punição do Estado e
seus agentes por estes crimes de lesa humanidade; desmantelamento do aparato
repressivo. Esta luta só poderia ser
travada no chão da cidade, com independência e radicalidade.
A Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, no
entanto, não prevaleceu. Foi aprovada a
lei de anistia parcial da ditadura, a qual reflete a sua matriz, a Doutrina de
Segurança Nacional: anistia restrita e condicional para os opositores e anistia
total e prévia para os agentes da repressão que estupraram, torturaram,
mataram, esquartejaram e ocultaram cadáveres!
É este o sentido da mal chamada reciprocidade,
balão de ensaio fabricado pela ditadura.
Esta lei foi
repudiada pelo movimento pela Anistia
Ampla, Geral e Irrestrita. Este
articulava o conjunto das oposições combativas à ditadura militar. A
anistia parcial da ditadura, portanto, não foi resultado de um pacto firmado
com a sociedade brasileira. Foi, ao contrário, um arranjo feito no interior do
bloco do poder com a adesão escancarada dos setores ditos liberais e a conivência daqueles setores da esquerda que já
renegavam o caminho da luta. É o mesmo bloco que concebeu e realizou a ditadura
militar em nome do projeto burguês de modernização conservadora do capitalismo:
a burguesia, associada ao capital internacional – logo, ao imperialismo
estadunidense; o aparato midiático; os latifundiários; as Forças Armadas e a
ortodoxia cristã. Este bloco não se
desfez: é ele o responsável pela transição política conservadora, pactuada,
controlada, sem ruptura, sem desfecho.
Cinquenta anos
depois do golpe militar, consolida-se a anistia
de mão dupla concebida pela ditadura.
No governo Lula, a 29/04/2010, o Supremo Tribunal Federal aprova a tal reciprocidade consagrando-a como
política de Estado: fica garantida a impunidade aos agentes da ditadura que
cometeram crimes de lesa humanidade. Na mesma toada, o governo Dilma instala a
farsa da Comissão Nacional da Verdade/CNV, a 16/05/2012. Entre outros
expedientes espúrios, a CNV descaracteriza o foco na ditadura militar (o
período a ser coberto vai de 1946 a 1988!), cultiva a prática do sigilo,
interdita o exercício da justiça substituindo-o pelo apelo à reconciliação nacional, exclui os
familiares de mortos e desaparecidos políticos e os movimentos organizados do
processo. Com tal comissão da verdade e reconciliação o governo federal honra o pacto
firmado com as Forças Armadas.
Trinta e cinco
anos depois da lei de anistia parcial continuam valendo todos os princípios
programáticos do movimento pela Anistia
Ampla, Geral e Irrestrita: o contencioso da ditadura militar não foi sequer
equacionado. Há uma reciclagem evidente
da Doutrina de Segurança Nacional: o Brasil continua a ser o país dos mortos e
desaparecidos políticos – da época da ditadura e dos dias de hoje. É também o país das chacinas periódicas. A tortura continua a ser uma das instituições
nacionais mais sólidas. O aparato repressivo continua a operar e tem aumentado
os instrumentos de violência à sua disposição.
A Polícia Militar brasileira é considerada a mais violenta do mundo –
responsável pelo maior número de mortes e desaparecimentos, entre todos os
países do planeta.
Continua em
vigor a Lei de Segurança Nacional e radicalizam-se cada vez mais as leis que
criminalizam os movimentos sociais: seus alvos principais agora são as lutas
dos trabalhadores e do povo. São também
os milhões de manifestantes que ocuparam as ruas durante a Copa das
Confederações (junho 2013) e a Copa do Mundo (junho 2014). Muitos destes, além de selvagemente
reprimidos em praça pública, foram presos, torturados e se tornaram réus. Fazem parte do conjunto dos novos presos políticos brasileiros.
Assim, o chamado Estado democrático de direito
não é outra coisa senão o Estado penal. São
suas características: a guerra generalizada contra os pobres, a juventude e os
trabalhadores; a criminalização de suas lutas; o genocídio institucionalizado
contra negros, indígenas e pobres; a política de encarceramento em massa; o extermínio da comunidade LGBTT. Pratica-se uma política de higienização e segregação ditada pelo
capital, pela especulação imobiliária e pelo latifúndio/agronegócio. As
remoções forçadas nas cidades e no campo e as ocupações policiais e militares
de morros e favelas constituem verdadeiras operações de guerra. Trata-se de política de extermínio, da qual
as Unidades de Polícia Pacificadora/UPPS são exemplos definitivos. Em Belo
Horizonte, há um massacre anunciado, de responsabilidade direta dos governos
municipal de Márcio Lacerda (PSB), estadual de Anastasia, Aécio e seus
cúmplices (PSDB) e federal de Dilma Rousseff (PT, PCdoB, PMDB). As Ocupações do
Isidoro - Rosa Leão, Estrela e Esperança.- estão ameaçadas de despejo forçado. Desta vez é armada uma operação de guerra
contra mais de 30 mil pessoas que resistem no terreno onde construíram suas
casas com as próprias mãos.
Da mesma forma que a ditadura militar, o Estado democrático de direito naturaliza
suas próprias iniquidades e se institui como Estado de exceção. Para combater
esta situação de barbárie reafirmamos a justeza da luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita e assumimos os seus princípios
programáticos, reatualizando-os:
PELO
DIREITO À VERDADE, À MEMÓRIA E À JUSTIÇA!
· -Nem perdão, nem esquecimento, nem reconciliação:
punição para os responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos durante a
ditadura militar e para os que cometem os mesmos crimes contra a humanidade nos
dia de hoje!
· - Pela abertura irrestrita dos arquivos da
repressão!
· - Pelo cumprimento
da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o Brasil a
punir os responsáveis pelas mortes, torturas e desaparecimentos políticos
ocorridos durante a ditadura militar!
ABAIXO A REPRESSÃO! PELA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO E EXPRESSÃO!
· -Pelo fim da Lei de Segurança Nacional! Pelo fim
das leis repressivas que criminalizam manifestantes! Pelo fim dos processos!
Pelo trancamento de todas as ações penais!
· - Pelo fim da criminalização dxs pobres! Pelo fim da criminalização das lutas dxs
estudantes! Pelo fim da criminalização da luta dxs trabalhadorxs da cidade, do
campo e do movimento popular!
· -Pelo fim das torturas e execuções! Pelo fim do genocídio dxs jovens negrxs,
indígenas e pobres! Pelo fim do extermínio da comunidade LGBTT!
· - Abaixo as UPPs!
Abaixo as invasões policiais e militares dos morros, universidade,
ocupações e favelas!
· - Pelo fim do aparato repressivo! Pelo fim imediato das guardas municipais, das
polícias e da Força Nacional de Segurança Pública!
FRENTE INDEPENDENTE PELA MEMÓRIA, VERDADE E
JUSTIÇA-MG
Belo
Horizonte, 28 de agosto de 2014N.